Professora e Doutora em Medicamentos e Assistência Farmacêutica pela UFMG, a farmacêutica Maria Ângela Ribeiro é pioneira no serviço de Gerenciamento de Terapia Medicamentosa (GTM) para pacientes com câncer de mama no Hospital das Clínicas da UFU (Universidade Federal de Uberlândia).
Na prática, o GTM é um serviço de acompanhamento clínico que traduz a metodologia da Atenção Farmacêutica ou Pharmaceutical Care, verificando se o medicamentos em uso são indicados, efetivos e seguros.
Nessa perspectiva, a abordagem avalia a possibilidade de adesão ao tratamento, além de identificar, prevenir e solucionar os problemas relacionados ao uso dos medicamentos.
A seguir, confira nossa entrevista com Maria Ângela, que também é tutora e preceptora dos farmacêuticos residentes do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde!
Qual a importância de conversarmos sobre o câncer de mama, principalmente nesse mês de Outubro?
O mês de outubro foi escolhido para dar visibilidade ao tema. É importantíssimo dar voz ao CÂNCER DE MAMA. Por conseguinte, a prevenção do câncer de mama deveria começar bem cedo e ser diária, começando com a quebra do estigma que o nome câncer carrega. Existem pessoas que não verbalizam “câncer”, por isso compreender para evitar, é muito importante. Assim como compreender para enfrentá-lo, também é muito importante!
Portanto, conversar sobre o câncer de mama deve ser tarefa de casa, da família, da escola, com debates ricos desde muito cedo entre as pessoas: mulheres e homens, cis ou transgêneros. Uma vez que o câncer de mama pode atingir qualquer indivíduo.
Qual a contribuição específica do farmacêutico e do serviço de GTM no cuidado a mulheres com câncer de mama?
O farmacêutico no serviço de GTM, muito mais do que o conhecimento técnico, títulos ou formação, oferece a essas pessoas confiança, ombro amigo, olho no olho e sensibilidade para escutar e construir juntos o melhor cuidado possível durante todas as fases do tratamento do câncer de mama, respectivas reações adversas e outas comorbidades. O GTM tem se mostrado mais eficiente na fase de quimioterapia e de hormonioterapia.
Qual é o papel que o tratamento medicamentoso ocupa no tratamento global do câncer de mama? Em que momento da jornada do paciente esse tipo de terapia é inserido?
O medicamento ocupa a primeira posição do tratamento para o câncer de mama. Está relacionado com o estadiamento da doença. O estadiamento que envolve receptores de estrógeno e progesterona positivo, as pacientes se beneficiam mais tempo do medicamento porque envolve a fase de hormonioterapia, e são as pacientes que ficam mais tempo no GTM também. Em geral, o uso de medicamentos específicos para o câncer de mama inicia-se na fase de quimioterapia neoadjuvante, antes da cirurgia.

Quais são os principais desafios relacionados ao uso de medicamentos que as mulheres com câncer de mama enfrentam?
As pessoas em tratamento para o câncer de mama enfrentam várias barreiras em relação ao uso dos medicamentos. São muitos medicamentos utilizados durante o período de quimioterapia, envolvendo os medicamentos do protocolo, de apoio e ainda de comorbidades. E isso torna um período longo de Polifarmácia para todas as pessoas em quimioterapia.
Os PRM predominantes na fase de quimioterapia são o de segurança e de efetividade. Mas os outros também são classificados, inclusive o de indicação, considerando a análise integral do uso de medicamentos.
Durante a minha trajetória aqui no serviço, precisei mergulhar na pesquisa para identificar alternativas para resolver PRM identificados. Por exemplo, o cuidado de pacientes com osteopenia ou osteoporose induzida por inibidores de aromatase, lesões nas mãos e pés (síndrome mão-pé) induzida por Paclitaxel. Um outro fator desenvolvido foram os acordos de colaboração estabelecidos com alguns médicos para auxiliar na resolução de PRM.
Existem outros problemas de saúde associados ao câncer de mama? Qual é o perfil clínico das mulheres que você atende?
Sim, existem vários problemas de saúde que surgem a partir do tratamento do câncer de mama em função do próprio câncer ou em função dos medicamentos utilizados. É comum a pessoa com câncer de mama apresentar alterações no perfil lipídico, como colesterol e triglicérides.
A taxa de açúcar também sofre alterações, a obesidade aparece e ainda ocorre manifestações clínicas na pele e unhas. Recentemente publicamos um estudo relacionado à síndrome mão pé e o aparecimento de fungos, ambos induzidos por um fármaco utilizado no protocolo de câncer de mama.
O público que atendo se encaixa no grupo das pessoas com Doenças Crônicas não Transmissíveis (DCNT). É raro a paciente apresentar só o câncer de mama… 80% das pacientes tratam outras comorbidades e estas variam entre Hipertensão Arterial Sistêmica, Dislipidemia, Hipotireoidismo, Diabetes Mellitus, Osteopenia/Osteoporose, Trombose Venosa Profunda, Ansiedade/Depressão e outras comorbidades.
Existe algum medicamento que as pacientes em tratamento do câncer de mama precisam evitar?
Sim, existem medicamentos alopáticos e até fitoterápicos que as pacientes em tratamento na fase de hormonioterapia precisam evitar. Uma paciente em tratamento com tamoxifeno (modulador seletivo do receptor de estrógeno) por exemplo, precisa ter cautela com o uso de outros medicamentos.
O Tamoxifeno tem o seu efeito comprometido com o uso concomitante da fluoxetina, duloxetina, sertralina, paroxetina e ainda com fitoterápicos como: Hypericum perforatum, cimicifuga racemosa (Mencirax®), angelica chinesa (ginseng), Tribulus Terrestris e Morus nigra L (amora).
Como os familiares e amigos podem contribuir na jornada das mulheres que estão passando pelo tratamento do câncer de mama?
Olha, esta pergunta ainda é um ponto obscuro para o profissional que cuida da pessoa com câncer de mama.
Eu percebo que poderia ajudar de várias maneiras, no entanto, falta conhecimento e preparo para esse grande desafio. E isso também é tarefa nossa, profissionais de saúde. Trabalhar o letramento em saúde dos familiares e amigos ajuda muito os pacientes.
Qual é o principal aprendizado que você tem ao conviver e cuidar de mulheres com câncer de mama ao longo de mais de 10 anos?
A disposição de cuidar foi uma quebra de paradigma muito grande na minha profissão. Mudei como pessoa, passei enxergar o mundo de outra forma, aprendi a me relacionar com os pacientes e com outros profissionais. Aprendi colocar no dia a dia tudo que a faculdade de farmácia me ensinou durante a graduação, mestrado e doutorado. Coloco tudo isso a serviço das pessoas! E o principal aprendizado é a compreensão do quão o farmacêutico clínico apresenta soluções e faz toda a diferença.
